O Presidente angolano, João Lourenço, aprovou a redução de três para dois vice-governadores nas províncias do país, alterando desta forma um regulamento (mais um) que entrou em vigor quatro dias antes de tomar posse, a 26 de Setembro.
Em causa está o decreto presidencial 208/17, publicado a 22 de Setembro de 2017, e assinado pelo então chefe de Estado, José Eduardo dos Santos, com as normas de organização e de funcionamento dos órgãos da Administração Local do Estado, fixando as respectivas estruturas organizacionais, bem como os mecanismos de operacionalização ao nível dos 18 governos provinciais, administrações municipais e comunais.
Esse decreto revogou a legislação anterior, de 2008, mas numa decisão de 15 de Novembro, também na forma de decreto presidencial, o novo chefe de Estado decidiu alterar dois artigos específicos do regulamento, na parte que prevê na estrutura orgânica da administração das províncias a existência de três vice-governadores e que passam a ser dois.
O documento assinado por João Lourenço justifica a necessidade “de se proceder à redução do número de vice-governadores, de modo a assegurar o princípio da racionalidade orgânico-funcional, previsto na lei”.
De acordo com a última actualização feita pelo Governo angolano em Junho deste ano, um vice-governador provincial aufere um vencimento mensal equivalente ao de secretário de Estado, de 627.327,24 kwanzas (cerca de 3.400 euros).
A alteração promovida por João Lourenço estabelece que cada um dos vice-governadores por província responde pelos Sectores Político, Social e Económico e pelos Serviços Técnicos e Infra-estruturas.
“Atendendo a especificidades socioeconómicas e políticas da província, excepcionalmente, o titular do poder executivo [Presidente da República] pode nomear mais um vice-governador”, lê-se ainda nas alterações ao regulamento.
A Reforma do Estado, com a descentralização de competências para as administrações municipais e a realização das primeiras eleições autárquicas em Angola foram metas traçadas por João Lourenço para este mandato, que se prolonga até 2022.
Ainda antes de promover esta alteração, o chefe de Estado angolano nomeou a 25 de Outubro um total de 38 vice-governadores para as 18 províncias do país.
As nomeações já envolviam dois vice-governadores por província, para os sectores Político, Social e Económico e Serviços Técnicos e Infra-estruturas, os quais se juntam aos 18 governadores que já tinham sido empossados no final de Setembro.
Contudo, as províncias de Luanda e de Cabinda são uma excepção e foram nomeados três vice-governadores em cada. Em ambos os casos, os sectores Político e Social são separados do pelouro Económico.
O MPLA venceu as eleições gerais de 23 de Agosto último com 61% dos votos, permitindo a eleição de João Lourenço como novo Presidente da República, tendo vencido também nos 18 círculos provinciais.
No entanto, em Luanda e Cabinda o partido no poder em Angola não obteve maioria dos votos, face aos resultados das duas maiores forças da oposição, UNITA e CASA-CE.
Aquelas províncias foram igualmente duas das cinco em que mudou o governador provincial indicado pelo titular do poder executivo, com Adriano Mendes de Carvalho a substituir o general Higino Carneiro, em Luanda, e Eugénio César Laborinho, que no governo anterior ocupou a pasta de secretário para a Protecção Civil e Bombeiros do Ministério do Interior, a assumir o cargo antes ocupado por Aldina da Lomba Catembo, em Cabinda.
Além dos 38 vice-governadores e dos 18 governadores, João Lourenço já nomeou desde que tomou posse como Presidente da República, a 26 de Setembro, entre outros cargos, 32 ministros e 50 secretários de Estado.
Um dia haverá eleições autárquicas
Baseando-se na melhor desculpa dos últimos 15 anos, o conflito armado, o MPLA diz que a situação do país “é diferente de uma nação normal”. Isto, é claro, aplica-se apenas às eleições autárquicas. Para as outras é óbvio – ou a vitória do MPLA não fosse conhecida muito antes dos sufrágios – que o país é uma nação normal.
A isso acresce que, seja em 2017 ou 2027, é sempre possível dizer (até porque é verdade) que o país vem de uma situação de pós-conflito armado. Já não é possível culpar Jonas Savimbi, mas é exequível acusar a UNITA.
“Angola não pode ter um percurso de ciclos de eleições que seja de um país normal”, asseverou, em Dezembro de 2014, Virgílio de Fontes Pereira, presidente do Grupo Parlamentar do MPLA, ao mesmo tempo que aconselhava os angolanos a encararem as coisas com realismo e objectividade, e a não darem passos que possam comprometer os ganhos já alcançados.
Ora aí está. Se começam a pensar que o nosso país é uma democracia e um Estado de Direito, o MPLA vai acusá-los de estarem a “comprometer os ganhos já alcançados” e, dessa forma, acenar com o fantasma da guerra e até – capazes disso são eles – de dizer que afinal Jonas Savimbi ressuscitou.
Na óptica de Virgílio de Fontes Pereira, as eleições autárquicas devem juntar-se aos proventos obtidos com sacrifício de muitos angolanos, nomeadamente a paz, a reconciliação nacional e o crescimento económico. Ou seja, ao MPLA.
Por outras palavras, só é preciso ter (o que até não é difícil) boletins de voto que cheguem. De resto, nada mais é preciso. Nem sequer ir votar. Para isso está lá o MPLA.
Segundo Virgílio de Fontes Pereira, são relevantes as tarefas que passam por um envolvimento das instituições do Estado que têm responsabilidade para os actos eleitorais, como o Poder Judiciário, o Parlamento, a Comissão Nacional Eleitoral (CNE), a Sociedade Civil e a Imprensa. Tudo órgãos “independentes” ao serviço do regime.
“Toda a sociedade deve envolver-se nas tarefas inerentes à preparação dos processos eleitorais, para que as eleições sejam tidas como livres, justas, transparentes e democráticas”, almejou Virgílio de Fontes Pereira.
Virgílio de Fontes Pereira diz muito bem: “sejam tidas como livres, justas, transparentes e democráticas”. Não importa se o serão. O que importa é que sejam tidas como tal.
Folha 8 com Lusa